quarta-feira, 17 de abril de 2013

Let it be

Meus grandes olhos castanhos abriram devagar, como de quem tem medo de se deparar com a realidade crua e fria da tarde de quarta-feira. Olhei pela janela e o cenário continuava o mesmo, um sol tímido entrando quarto adentro enquanto as cortinas faziam mínimos movimentos por conta do vento do mundo exterior. A vontade irresponsável de fechar os olhos novamente e continuar naquele doce embalo do mundo da preguiça já batia de frente com o meu subconsciente que me mandava fazer algo útil. Quando foi que eu fiquei tão inconsequente? Abri e fechei os olhos, uma, duas, três vezes teimosas enquanto decidia o progresso da tarde. Optei por levantar, a responsabilidade finalmente mostrara o ar da graça. Cambaleei com a visão manchada até o meu quarto, mas eu não queria ir ali. Maldito cérebro.
Desci as escadas enquanto minha cabeça lentamente associava a realidade. Sala, banheiro, cozinha. Finalmente alguma coisa fazia sentido. Abri o armário, peguei uma bolacha com culpa no consciente e a devorei em duas mordidas, saboreando o chocolate como se fosse a chave do meu coração, o segredo do universo. Chocolate fazia sentido. Limpando a mão com farelos na calça do pijama, olhei ao meu redor mais uma vez, me peguei encarando a janela. O que tem lá fora, além do quintal, da casa do fundos, da casa do vizinho, do bairro, das árvores? Porque eu tenho que estar aqui, se eu poderia estar no ar puro do mundo? Baixei a cabeça e encarei meus pés descalços no chão frio da cozinha. Eu sempre amei andar descalça, desde pequena, isso é quem eu sou. Eu canto no chuveiro, eu faço yôga junto com gente de quarenta anos, eu gosto de ler, de escrever, não sou de compartilhar sentimentos nem de acumular energia negativa. Essa sou, sou eu essa. E aí eu paro pra pensar se, tendo uma vida tão cheia de amor pra dar e receber, tendo as condições que eu tenho de ser feliz nesse mundo onde poucos são, porque ainda tem uma frestinha de sofrimento entalado na minha garganta? Porque eu acordo no meio da tarde já chateada pelo meu dia não ter sido como o esperado? Andei pela casa, fui da sala ao banheiro, do banheiro ao quarto, do quarto ao quintal. Eu não sei o que eu quero, me debato internamente de forma que meu coração já não aguenta. Eu seria tão feliz se fosse daquele jeito, e não desse. Mas afinal, a gente não ta sempre procurando alguém pra gente amar, isso já não basta? Eu tenho gente que eu amo em abundância, resta saber se é reciproco. Se não for, deixa ser, porque eu também não mais o amarei de volta. É assim que tem que ser, e pronto.
Juntei minhas tralhas, meus livros, minha música e meu amor e sai mundo afora procurando alguém pra eu dividir tais coisas, mesmo que esse alguém seja eu mesma.

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