domingo, 18 de agosto de 2013

Cobertor coletivo

Dias frios, pessoas frias. Acordam de manhã já pensando no fim do dia. Amarram a cara, contraem os lábios, enfiam a mão no bolso e não cumprimentam o porteiro. A garganta queima com o café aguado do trabalho, as mãos pálidas recusam-se a pegar na caneta e deixar o trabalho pronto. Lá fora, o céu é cinzento feito calçada, feito o prédio da prefeitura, o ponto de ônibus, o poste do luz, o consultório de contabilidade, o rio poluído, o estudante que chegou atrasado no ponto, a atendente de caixa que brigou com o namorado, o motorista que ainda não foi pra casa. Tudo se mistura, tudo se combina, tudo complementa-se na pintura sem graça da cidade.
Forma-se uma nuvem carregada que está sempre a ameaçar a pior das tempestades. Essa nuvem é composta de todas as intoxicações inconscientes do dia a dia. A amargura, a inveja, o ódio, a raiva, o ciúmes, a superioridade, a timidez. Tudo isso fica aglomerado nessa nuvem negra que rodeia a cabeça dos pobres cidadãos. Ninguém sabe que a carrega, só os mais sensíveis. E assim passam os dias de inverno, uma hora aqui e outra ali, a nuvem se enche gloriosa.
A solidão bate na porta e ninguém quer deixa-la entrar. Ela bate de novo, toca a campainha, chuta, escancara. Vem o inverno e a pega pelo braço, entram juntos sem pedir licença, na maior cara de pau. O anfitrião mau humorado aceita a visita indesejada passivamente, sem saber ao certo por quanto tempo os impostores vão ficar, se é que vão um dia embora. Dias frios, pessoas frias, o tempo não para e ninguém se dispõe a contornar os acontecimentos indesejados. O café, o cobertor pesado, o chocolate e o abraço estão logo ali do lado, mas ninguém tem coragem de vencer a preguiça e ir lá pegar. Eu tava tão quentinha e aconchegada, tento descobrir quem foi o impostor que roubou minha coberta, quem tapou meu sol. Coisas assim não se perdem simplesmente, elas são tiradas de você. E agora, José?