quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

adoçando a vida com bolo e romances

-Fica mais um pouco...- Eu disse com a minha voz baixinha e manhosa já antes praticada. -Faltam ainda dois filmes do Harry Potter pra gente assistir, e você prometeu que ia comer um pedaço do meu bolo. - Além da vozinha, agora eu sorria ligeiramente e erguia as sobrancelhas, apenas para completar o pacote "convencendo o moço a não ir embora".
-Você sabe que eu gosto muito de Harry Potter, mas assistir todos os filmes na mesma tarde é pedir demais..- ele falava com os olhos perdidos no cabelo vermelho-alaranjado do Rony Weasley - Agora que eu reparei, o Rony tem tetinha.
-É verdade...são maiores que as minhas.
Ele olhou pra mim com cara de desconfiado.
-É, é verdade.- soltando um risinho tímido, passando os braços pelo meu ombro e me puxando prum abraço - Mas mesmo assim sou mais você. - colocou ambas as pernas na mesinha de centro da sala - Não gosto de ruivos.
A gente ta nisso há um mês. Mas antes disso, nós eramos amigos, claro. Ele é a pessoa mais sincera que eu conheço, pode ser burrice de acreditar, mas eu concordo com tudo o que ele diz. Talvez eu seja ingenua, mas talvez eu confie tanto nele que acabo aceitando as verdades mais cruéis e absurdas que possam existir, como o Rony Weasley ter mais peito do que eu.
Nós temos muito em comum, temos o mesmo gosto musical e isso já é meio caminho andado. Os caras mais legais gostam de rock, isso é uma verdade universal. Mentira, não é, mas podia muito bem ser. A gente conversa sobre a vida, sobre a natureza, sobre religião, sobre atitudes, sobre amor. Sabe quando dizem que a vida só faz sentido quando achamos a outra parte da nossa laranja? Bem, você já peguntou pra alguém qual que era o sonho dela, e ela disse "ser uma laranja inteira"? Eu nunca conheci alguém que quisesse ser uma laranja. Me contento em ter alguém que se encaixe nos meus valores.
-To com fome, amor.- ele tinha acabado de acordar de um cochilo no meu ombro - quero experimentar seu bolo.
-Só agora que você quer né, folgado. Vai lá buscar comigo, minha mãe não gosta que eu coma na sala.
-Ah que preguiça...ta bom, só porque eu amo bolo de chocolate.
Ele me pegou pela mão e me puxou rumo a pequena cozinha do meu apartamento menor ainda. Ele me sentou na bancada e foi rumo a geladeira.
-Tá aqui dentro né...ah, achei. Nossa, quem foi que comeu tudo isso? Você fez ontem! 
-Meu pai, ele come pra caramba.
-Por isso que eu gosto tanto dele.
Ele foi pegando os talheres e pratos como se fosse a cozinha da casa dele. Como já disse, nós eramos amigos antes disso, e ele vivia na minha casa, conversava com a minha mãe e assistia o jogo com o meu pai. Nós eramos namorados antes mesmo de sermos realmente namorados.
-Fazer bolo de chocolate é que nem viver, sabia? - eu disse a ele, já prevendo um olhar de interrogação estampado em seu rosto. Logo voltei a explicar. - Você precisa aprender com alguém primeiro, pra depois fazer sozinho. Ninguém nasce sabendo fazer bolo, não é verdade? É que nem a vida, uma hora ou outra a gente precisa de conselhos e ajudas externas pra aprender. Não é só com erros que se vive.
-Que metáfora inteligente, amor. Nunca pensei nisso. -ele ia cortando pedaços irregulares de bolo e servindo nos pratos. - Espero que alguém um dia me ensine a fazer bolo -e me deu o prato na mão e sentou ao meu lado na bancada. -Ta uma delícia isso aqui -disse com a boca transbordando de chocolate e os dentes totalmente sujos.
-Você não fica bonito falando com comida na boca, tá. Come primeiro e depois fala, pelo bem da humanidade.
-Ta bom -disse rindo.
Nosso namoro era discreto. A gente não ficava de nhenhenhe pra cá, nhenhenhe pra lá. Quem olhava dizia que não passava de amizade. Era quase isso, só que com benefícios a mais. Não era um amor intenso...não. Era duas pessoas que se conheciam muito bem. Era aconchegante, um alívio. Era confiança, papo furado, mãos dadas. Um beijo ou outro, uma mão aqui e outra acolá. Era inverno, era reconhecimento. Tardes nem um pouco solitárias assistindo televisão, bolo de chocolate, risos no canto da boca, olhares manhosos, seduções. Não era amor, era melhor.
Nesse meio tempo, nós já estávamos encostados na parede da cozinha conversando aos cochichos, os pratos esquecidos em cima da pia. 
-Eu preciso ir embora agora...-ele tentava ir embora enquanto eu beijava seu rosto e passava a mão nos seus cabelos.-talvez eu pudesse ficar mais...não, é aniversário do meu vô, preciso ir.-me beijava mais uma vez - É sério, olha pra mim. -segurou delicadamente o meu rosto, fazendo meus olhos encontrarem os dele -tenho que ir, te ligo mais tarde. Te amo menina.
Saiu calçando os tênis deixados perto da mesa do telefone e bateu a porta levemente. Fiquei ali parada revivendo na cabeça esse último momento, aceitando esse meu estado de paixão cega, surda e muda. Eu sabia da minha condição, sabia que mergulhara de cabeça nesse romance com o meu melhor amigo. Eu nunca quis estar dependendo tanto de alguém pra ser feliz, nunca quis estar perdidamente apaixonada. Agora eu só deixo na mão do destino decidir meu futuro incerto. Eu to nas nuvens, que pelo menos a queda não seja tão dolorosa (ou até que nem venha).

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